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Convivência familiar – tabus e polêmicas

Um entrevista guardada em meu computador e ainda tão atual...

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Convivência familiar – tabus e polêmicas

Achei essa entrevista nos arquivos de guardados do meu computador, mas não encontrei por nada quem me entrevistou e nem onde foi publicada, sei apenas que foi em 2012. Relendo, vi que está super atual. Então, resolvi publicá-la aqui.
Por que existem tabus nas relações familiares e quais são os mais frequentes?
ACR: Existem temas que são considerados tabus nas relações familiares, porque estes temas estão muito ligados a uma ordem pré-estabelecida, um padrão de comportamento que vem vindo ao longo dos séculos, mas a humanidade está se transformando. Transformando seus valores e nem sempre as pessoas conseguem acompanhar o progresso. Aí esbarramos nas diferenças existentes entre todas as pessoas de uma família, nas crenças religiosas de cada um, na educação recebida, na preocupação com o social, e por aí vai. O sexo, por exemplo, sempre foi um tema tabu, porque sem dúvida ainda está ligado ao pecado, à religião, e a uma visão muito deturpada do assunto. Cada religião e cada cultura tratam do assunto com uma visão. Não vamos nem entrar nesse mérito senão ficaríamos horas discutindo este assunto, mas creio que aqui neste espaço vale pensarmos sobre como o sexo está ligado aos valores de cada um, a educação que cada um recebeu. Hoje em dia este tema já está um pouco mais aberto do que no passado, já se fala em educação sexual nas escolas, mas o problema maior, a meu ver, é quem vai falar sobre sexo com os alunos na escola. Que orientação será dada? Pois dependendo de cada pessoa a abordagem será uma ou outra. Uma pessoa desprovida de pré-conceitos estará mais aberta a escutar os jovens e tentar responder suas perguntas, enquanto uma pessoa que possui bloqueios, frustrações e inseguranças, não estará tão apta a tratar deste assunto. Sempre me pergunto se a escola e a família estão de fato abertas a conversarem com as crianças e com os jovens sobre a vida como ela é, sem maquiagens, sem mentiras? Quem pergunta quer resposta. Claro que cada resposta ao seu tempo. Para crianças, uma abordagem. Para jovens, outra. Mas creio que os temas mais tabus em uma família ainda são: sexo, e dentro de sexo homossexualidade, é claro!, drogas, religião e diferenças de um modo geral. Será que as pessoas já aceitam bem namoros entre brancos e negros? Ou será que as pessoas muito religiosas aceitam a religião do outro ou ficam querendo impor a sua como a verdadeira? Ficam as perguntas, pois tudo pode virar um tabu, dependendo da situação e de como ela é abordada.
Que comportamentos e sinais são indicadores de que um assunto é tabu?
ACR: Quando aparecem as diferenças na família e os pais não estão muito abertos ao diálogo, os temas começam a virar tabus, pois não querem nem ouvir falar do assunto. Quando não aceitamos ideias contrárias às nossas e nem queremos conversar, um tema vira tabu. Aqui vale uma reflexão: será que os pais aceitam que seus filhos sejam diferente daquilo que eles sonharam? Que sejam diferentes do que esperavam? Se sim, ótimo. Há espaço para o diálogo. Se não, começam os atritos. Atritos que sempre existiram, por mais que os pais tenham diálogos, mas quando não têm, é pior. Educar é uma árdua tarefa, uma tarefa diária que requer muita vontade de perseverar. Nos tempos atuais, requer cada vez mais diálogo, paciência e serenidade para saber dar limites, tão necessários na educação de nossas crianças e jovens. Mas saber dar limites não é sinônimo de impor sua vontade de forma autoritária. Hoje sabemos que a educação autoritária, pelo medo, não tem dado bons resultados, o mais importante é aprendermos a educar e dar limites levando em conta o individual de cada um.
De certa forma, me parece que os tabus servem para “manter a harmonia” familiar, é certo?  
ACR: Depende do ponto de vista, porque para um tema tabu ser debatido em família requer abertura para se aceitar as diferenças. Requer diálogo, mesmo quando temos uma visão e um ponto de vista diferenciado do outro. O que acontece é que existem pessoas que não são abertas ao diálogo, porque seguem às cegas um determinado sistema, um determinado ensinamento, e com isso não aceitam de maneira alguma o diferente. Você me pergunta se os tabus servem para manter a harmonia, mas eu te respondo com outra pergunta: manter a harmonia em que sentido? Só se for manter a harmonia entre aspas mesmo. Porque silenciar e fingir que não existem problemas é um dos maiores problemas da humanidade. A hipocrisia social é um mal, você não acha? Já vivi experiências de hipocrisia sérias quando trabalhava em escola. Eu tinha lido um livro chamado Beijo na Boca com a turma, uma história divertidíssima sobre primeiras experiências de beijo na boca. Aí, uma mãe me ligou dizendo que não queria que falasse com a filha dela sobre beijo na boca alegando que a menina era muito ingênua. Era uma turma de sexto ano, e a turma estava às voltas com os primeiros beijos. Perceba a hipocrisia: não se fala sobre beijo, mas aqueles pré-adolescentes estavam lá, vivendo suas experiências. A mãe alegava a ingenuidade da filha, mas mal sabia a mãe que a menina já beijava. E aí? O que é melhor? Fingir que não vê ou conversar sobre beijos para que a menina não aparecesse grávida na adolescência? E pior, um dia, por acaso, esta mesma mãe me revelou coisas que comprometiam aquela imagem certinha que ela queria passar. Isso é muito triste, a mentira é muito negativa. A primeira mentira obriga a pessoa  a mentir cada vez mais para sustentar o que inventou.  Mas a vida está aí, os jovens estão vivendo, e inerente à nossa vontade de pais ou educadores, eles vão viver suas experiências, e estas podem ser positivas ou não. O jovem por natureza é mais questionador, quer romper laços e criar sua própria identidade. Será que queremos que eles vivam felizes e com apoio familiar, ou vamos tapar os olhos e fingir que não existem problemas só porque não sabemos como enfrentá-los? Isso é tão sério. E as escolas e as famílias muitas vezes preferem fingir que não veem um problema por pura falta de coragem para abordá-lo. Ou simplesmente por vergonha do que os outros vão falar.
Pode até criar uma cumplicidade familiar. Isto é bom? 
ACR: Como assim uma cumplicidade familiar? Creio que cada família cria seu ambiente de educação. Umas são mais abertas, outras mais tradicionais, mais rígidas. Umas aceitam melhor as diferenças, outras nem pensar em falar em ser diferente da tradição. Creio que o mais importante nas famílias é que todas saibam dar noções de cidadania, ética, respeito. Que todas saibam abrir espaços para conversar sobre as diferenças, pois os pais que não estiverem abertos ao diálogo vão acabar perdendo seus filhos para o mundo, vão perder o espaço de troca, amizade e cumplicidade familiar. Existem muitos pais repressores que por trás dos bastidores aprontam coisas que suas famílias nem sonham… Hipocrisia é um mal que deveria ser combatido.
Todo tabu, quando enfrentado, vira obrigatoriamente conflito, polêmica?
ACR: Não necessariamente. Vai depender da cada família. Por exemplo. Uma família que não aceita que seu filho se case com alguém de outra religião vai enfrentar sérios problemas se isso vier a acontecer. Uma família que não aceita falar sobre homossexualidade não vai aceitar um filho homossexual e vai querer tratá-lo para que se cure ou vai expulsá-lo de casa. Isso gera conflito e polêmica. Mas, por outro lado, se uma família evangélica aceita que sua filha se case com um rapaz espírita, ou se uma família judia aceita que sua filha se case com um rapaz católico, mesmo não acreditando naquela crença religiosa, o tabu deixa de ser conflito, deixa de gerar polêmica e passa a ser visto pelo olhar da tolerância com o diferente. Se uma família que não aceita a homossexualidade acaba entendendo seu filho homossexual, ou filha, mesmo não entendendo bem porque aquilo aconteceu, já é um início de abertura para rever os pré-conceitos. O que deveria ser visto como um mal a ser combatido em qualquer família e sociedade é não ter caráter, valores, princípios éticos, respeito. Mas será que as pessoas que querem se dar bem à custa dos outros (como andam fazendo muitos de nossos políticos) têm noção de cidadania? De ética? Que valores tem um corrupto? Isso é polêmico e pode virar tabu quando um filho de um corrupto não é corrupto e se opõe ao pai.
As polêmicas em família existem mesmo sem tabus. Elas são boas?
ACR: Não tenho a menor dúvida. Elas são boas para fazer com que as pessoas estejam, o tempo todo pensando, revendo seus conceitos, buscando novos aprendizados. Mas as polêmicas devem sempre ser tratadas com respeito. Não acho que convivência em família seja fácil, não, mas devemos sempre ouvir o outro e tentar um entendimento. Viver em grupo é um aprendizado diário. E família é um grupo que vive junto, cada um com um tempo diferente do outro, com necessidades singulares. Se quisermos respeito ao nosso espaço temos que aprender a respeitar o do outro, em todos os sentidos. Mas não adianta os pais falarem uma coisa e fazerem outra. Exemplo é tudo.
Existe um caminho para transformar polêmica em negociação, em solução de conflitos? Qual é? 
ACR: Existe, é claro, a conversa. Uma grande educadora que conheci dizia uma frase maravilhosa: “É conversando que a gente se entende”.

 

Quando aparecem as diferenças na família e os pais não estão muito abertos ao diálogo, os temas começam a virar tabus.

 

 

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