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Entrevista para a Publishing Perspectives Educação

Ivani Cardoso

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Nunca se falou tanto em Literatura

Esta entrevista foi concedida para a Publishing Perspectives Educação, a Newsletter da Feira do Livro de Frankfurt.
Nunca se falou tanto em Literatura, por Ivani Cardoso
Anna Claudia Ramos era uma menina inventadeira, tudo o que queria e não tinha, inventava. Sonhava muito e criava histórias desde muito pequena, mas foi aos dez anos que decidiu ser escritora, lendo o livro “A Bolsa Amarela”, de Lygia Bojunga. Deu certo. Até agora já escreveu 75 livros e tem vários projetos em andamento. Começou a publicar em 1992 e trabalha com literatura infantil há 30 anos. São anos de estrada e dedicação e hoje ela vive totalmente de livros e seu entorno. Coordena cursos, oficinas e palestras, e trabalha para alguns Projetos de Incentivo à Leitura. Anna viaja o Brasil de ponta a ponta conversando com leitores e educadores e garante que formação de leitores tem jeito no Brasil, basta querer fazer e ter pessoas comprometidas com o livro: “A grande questão da formação dos leitores passa pela formação de professores-leitores, professores capacitados para o trabalho de mediação de leitura com a literatura. Acredito que todo evento literário de uma cidade precisa estar ligado, conectado com as secretarias de educação e cultura, para um trabalho prévio com as escolas”. Anna Claudia Ramos é escritora, professora de oficinas literárias, graduada em Letras, pela PUC-Rio, e Mestre em Ciência da Literatura, pela UFRJ. Apaixonada pelo que faz, diz que os livros marcam o seu estar no mundo e não hesita em responder de pronto o que significa escrever: “Poder me reinventar”.
Confira a íntegra da entrevista:
IVANI: Quantos livros já escreveu até agora?
ACR: Até o presente momento são 75 livros publicados, mais três contratos assinados e dois originais ainda sendo negociados.  Não trabalho com apenas uma editora, isso seria impossível, uma vez que cada editora possui um perfil e uma linha editorial. O meu último lançamento foi a nova edição, totalmente revisada e modificada de “Tempo Mágico, tempo de namoros”, que agora se chama “Tempo Mágico, tempo de namoros, outra vez!”, que saiu pelo Clube Select, criado para ser uma espécie de editora própria do Clube de Autores, uma plataforma de autopublicações. Esse livro está à venda na própria plataforma do Clube. A nova edição é muito diferente da antiga, e dialoga com duas gerações, falando sobre o mesmo tema: a perda da virgindade.
IVANI: Quais foram as principais coleções que coordenou?
ACR: Poderia falar das coleções que criei e que estão no mercado há anos e continuam vendendo muito bem. A Coleção “Quatro Elementos: Pra que serve a Água, Terra, Fogo e Ar?”, publicada pela Editora Dimensão; a Coleção “Todo Mundo Tem: Casa, Família, Medo e Amigo”, publicada pela Formato/Saraiva (atual grupo Somos); a Coleção “Pode, Não Pode”: “A gente pode… A gente não pode… com 3 e  4 anos”, “A gente pode… A gente não pode… com 5 e 6 anos”, “A gente pode… A gente não pode… com 7 e 8 anos”, e a versão juvenil, chamada “Afinal, a gente pode ou não pode? – os jovens” e  “Afinal, o que fazer? – os adultos”, publicada pela Editora DCL. Coordenei a Coleção “Entretempos”, da Editora Larousse, mas que já está fora do mercado. Coordenei, junto com minha sócia Verônica Lessa, o editorial infantil e juvenil da ZIT, entre 2009 e 2013. Fazíamos a captação de originais e a produção editorial. Já coordenamos livros para a Nova Fronteira, incluindo um do João Ubaldo. Na época em que assumi o cargo de presidente da AEILIJ (hoje não sou mais associada), coordenei uma Coleção para a Fundação Dorina para cegos. Essa foi a primeira parceria da Fundação Dorina com a AEILIJ. Intitulei esta coleção como sendo parte da AEILIJ Solidária. Foi bárbaro ver o resultado desse trabalho.
IVANI: Pesquisa recente sobre o hábito de leitura mostra que os brasileiros estão lendo muito pouco. Tem jeito?
ACR: Olhe, não confio muito nessas pesquisas, porque a questão que deveríamos nos perguntar é: como são feitas essas pesquisas? O que está sendo considerado como leitura? Acho que nunca se leu tanto, nunca se produziu tanto. Basta ver o que os jovens estão fazendo hoje na internet. A questão é saber se os livros digitais e todos os conteúdos de leitura estão sendo levados em conta nessas pesquisas. Sou extremamente otimista, apesar de saber que ainda temos muito o que fazer para que o público se torne consumidor de livros. Não sossego enquanto livros e smartphones não estiverem em pé de igualdade nos sonhos de consumo das pessoas.
IVANI: A literatura está em alta?
ACR: Vamos considerar: nunca se falou tanto em literatura como se fala hoje em dia. Atualmente temos eventos literários espalhados pelo Brasil. A grande questão é saber se esses eventos estão de fato formando novos leitores, novos consumidores de livros ou se não são apenas uma festa que oferece de tudo, menos livros de literatura e escritores. As escolas públicas receberam, durante anos, livros de literatura de qualidade, e mesmo que muitas escolas trancassem os livros num armário (sabemos que isso existe!), muitas disponibilizaram os mesmos em suas bibliotecas e, assim, crianças e jovens de todo este imenso Brasil puderam ter acesso a livros de literatura de qualidade. Como autora, recebo retorno desses leitores que foram beneficiados por essas compras governamentais.
IVANI: Quais os autores que povoaram a sua infância?
ACR: Minha infância foi muito povoada. Li excelentes livros na escola e meus pais sempre compraram muitos livros e muitas revistinhas para mim e para os meus irmãos. Lygia Bojunga, Fernanda Lopes de Almeida, Monteiro Lobato, Hans Christian Andersen, Maria Clara Machado e Ziraldo, com “A Turma do Pererê”, foram os autores que mais marcaram minha infância. Mas ao lado dos livros, havia as revistinhas: Turma da Mônica, Brotoeja, Bolota, Luluzinha e Riquinho, que eu também adorava. Tive uma infância de poder brincar muito. Livros e brinquedos tinham o mesmo valor para mim.
IVANI: Quando surgiu a escritora em sua vida?
ACR: Na infância já existia a semente da escritora sendo gerada em mim. Eu não sabia ler nem escrever e obrigava minha irmã mais velha a escrever as histórias que eu inventava. Tenho uma dessas histórias guardada comigo até hoje. Eu era uma menina inventadeira, tudo que eu queria e não tinha, eu inventava. Eu criava histórias desde que me entendo por gente,  sonhava muito. Inventava histórias para ilustrações. Inventava muitas brincadeiras. Quando eu era menina vendia-se uma coisa chamada Transfer na banca de jornais. Não sei se você se lembra disso…. Eles eram temáticos. O Tranfer tinha sempre um cenário e um papel manteiga que vinha com umas figurinhas para transferirmos. Tipo um decalque. A diversão dos meus irmãos era transferir as figuras para o cenário, a minha era inventar histórias depois que o cenário estivesse completo. Minha mãe não entendia como um simples pedaço de papel colorido fazia com que eu ficasse quieta tanto tempo. Mal sabia ela que eu só estava quieta por fora, porque por dentro eu era pura aventura e imaginação. Mas foi aos dez anos que decidi que seria escritora, lendo um livro chamado “A Bolsa Amarela”, da Lygia Bojunga.
IVANI: Quais as características de um bom livro infantil?
ACR: Saber comunicar-se bem com a criança, ser inovador na abordagem da história. Um bom livro para criança, se tiver qualidade, começa a ser lido na infância, mas não tem idade para acabar. O grande problema é que existem muitos livros para crianças que não são literatura, são livrinhos que querem ensinar determinados temas a elas. Histórias forjadas, mal escritas, sem estofo. Fazer literatura para crianças, ou para adultos, requer trabalho estético com a palavra, requerer conhecimentos de estrutura narrativa, requerer estudo e aprendizado.
IVANI: O que as crianças querem ler hoje em dia? E os jovens?
ACR: É impossível responder a esta pergunta com apenas uma resposta, porque existem diversos tipos de crianças e diversos tipos de jovens. Existem muitos tipos distintos, de qual grupo estaríamos falando? Há público para tudo, desde crianças e jovens mais sensíveis e com um gosto mais refinado a crianças e jovens que só curtem o que está na moda. Se perguntar para cada um desses grupos o que querem ler, as respostas serão completamente diferentes. Acho que a pergunta deveria ser: o que tenho a oferecer às crianças e aos jovens? Não podemos generalizar crianças e jovens num pacote homogêneo. A grande questão é oferecer diversidade e deixar cada um escolher o seu caminho. Afinal, como escolher um caminho se conheço um apenas? Daí a importância dos mediadores de leitura. É tudo muito complexo quando se fala de leitura e literatura. Temos que saber ouvir diretamente o que as crianças e os jovens têm a nos dizer.
IVANI: Os professores estão preparados para incentivar a leitura?
ACR: Alguns, sim, com certeza. Outros, não. Há professores e professores, como há médicos e médicos, advogados e advogados, escritores e escritores. Há muitos professores fazendo trabalhos incríveis com o livro e a literatura espalhados pelos quatro cantos do nosso imenso Brasil. Assim como há muito professor que nem leitor é. Aí, um professor desses me pergunta como fazer para que seu aluno goste de ler? Por favor…  Estamos em 2016, ter que repetir que quem não é leitor não forma leitores, é chover no molhado, mas infelizmente ainda precisamos falar sobre isso. A gente só dá para o outro o que a gente tem dentro de nós.
IVANI: Como surge a sua sua inspiração para a escrita?
ACR: Vem da vida, dos meus sentimentos, do que penso, observo e de como sinto o mundo onde estou inserida. Mas acho que temos uma conexão com algo maior, além do aqui e agora. Para estaremos atentos a essa conexão é preciso muito estudo e preparo. Mas isso é uma outra história, papo para o doutorado que farei um dia.
IVANI: Acompanho seu trabalho nas redes sociais e vejo que está sempre em movimento e em contato com seus leitores. De onde vem tanta energia e o que esse contato traz para você?
ACR: Eu amo o que faço e vivo do que sempre quis viver: dos livros e das histórias. Quando estou fazendo um trabalho, estou inteira, de corpo e alma. A energia talvez venha da minha alegria de viver e de estar com as pessoas. Mas talvez porque eu pratique remo, ande muito de bicicleta, também tenho um preparo físico que ajuda. Eu amo esse contato com meus leitores, com as professoras, adoro compartilhar histórias. Nesses encontros acontecem coisas que não têm preço. Relatos sinceros e honestos de crianças e jovens que nos dão energia para continuar nesta caminhada. Penso, contudo, que os escritores deveriam ser mais bem remunerados. Às vezes fazemos de seis a oito encontros por dia, chegamos exaustos no fim da jornada. Encantamos crianças e jovens, levamos sonhos, mexemos com as emoções, despertamos sentimentos. Mas estamos falando de arte, ainda temos muito chão para que todos entendam o valor da arte na vida das pessoas.
IVANI: Qual é o livro mágico da sua vida?
ACR: Se eu pensar na minha infância, “A Bolsa Amarela”, da Lygia Bojunga. Na minha adolescência, “Demiam”, do Herman Hesse, na chegada a minha vida adulta, “Uma aprendizagem ou o livros dos prazeres”, de Clarice Lispector, “Cartas a um jovem poeta”, de Rainer Maria Rilke, e “A Odisseia”, de Homero. Nossa! Teria que fazer uma lista de quais os livros que foram divisores de água na minha trajetória leitora. Livros marcam o meu estar no mundo.
IVANI: Qual a importância do brincar para a educação infantil?
ACR: O brincar é tudo na vida de uma criança. É a possibilidade de reinventar a vida. Não existe nada mais sério do que uma criança brincando. E essa frase nem é minha. A brincadeira e a imaginação me deram novas possibilidades de ser quando menina. Isso é muito importante. Ainda bem que cresci numa família que nunca fez distinção entre brincadeiras de meninos e brincadeiras de meninas, brincar era coisa de criança e podíamos brincar do que desejássemos. De carrinhos e futebol de botão a bonecas e casinha, brinquei de tudo e gostava de tudo. Claro que tudo isso faz parte da minha formação e da minha história. E é lógico que meus livros acabam abordando essa minha forma de ver/ler o mundo. O “Brincadeira de criança” fala explicitamente sobre essas possibilidades de as crianças brincarem do que elas desejarem.
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